FORMA E PRECONCEITO

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 Neste texto, pretendemos realizar uma análise filosófica ontológica de dois conceitos que são muito caros à nossa vida social e, consequentemente, à Umbanda e aos umbandistas. São eles: forma e preconceito.

O que é a forma? Como ela pode ser levada às raias do preconceito ou, ser, para as mentes preconceituosas, geradora de um determinado preconceito ou, até mesmo, de uma avalanche incessante de preconceitos?

Segundo o dicionário do Google, pode-se definir forma como “configuração física característica dos seres e das coisas, como decorrência da estruturação das suas partes; formato, feitio [ex: “a forma de uma mesa”] / estado físico sob o qual se apresenta um corpo, uma substância etc. [ex: forma líquida]”.

Esta definição é introdutória e serve para que possamos, a partir dela, trazer ao texto dois conceitos distintos, mas complementares, a nosso ver, e fundamentais para a filosofia umbandista. Afinal, sabemos que, uma religião séria como a Umbanda, precisa carregar em seu bojo uma filosofia própria e consistente. E assim ocorrerá, fundamentando-se em conceitos sólidos.

Ambos os autores, que aqui utilizaremos para análise, são respeitadíssimos e possuem uma vasta obra que não deixa rastros negativos em seus caminhos.

Iniciaremos analisando como Rubens Saraceni define a forma. Em sua obra “As Sete Linhas de Evolução e Ascensão do Espírito Humano”, define as tais linhas, em sete capítulos, exatamente nesta ordem: 1ª – O Humanismo; 2ª – A Fé; 3ª – O Conhecimento; 4ª – O Amor; 5ª – A Lei; 6ª – A Forma; 7ª – A Vida.

Já postamos, neste site, outro texto em que realizamos uma breve análise destas sete linhas evolucionistas e ascensionistas da humanidade. Porém, aqui prosseguiremos em nossa linha de raciocínio, analisando o que ele escreve, neste livro, definindo a forma.

No início do referido capítulo, o autor nos fala que o espírito humano é mais uma das infinitas “formas” com a qual Deus classifica suas Criações. Assim, segundo Rubens Saraceni (2015; P. 89): […] Também poderíamos mudar o nome do planeta Terra para Marte ou Vênus, e ainda assim continuaríamos nos chamando, e sendo por Deus classificados, como humanos. Poderíamos estar em Plutão, e ainda seríamos espíritos humanos. Na matéria, deixaríamos de ser terráqueos para sermos chamados de plutonianos, mas o nosso espírito seria humano, pois, para Deus, essa criação energética, vibratória, luminosa e colorida é a forma humana, mais uma de Suas muitas e infinitas criações.

Esperamos que o sentido de “forma”, enquanto via de evolução do espírito humano ou a sexta linha de evolução e ascensão, esteja ficando claro. Esta maneira de explicarmos as sete linhas de evolução é somente mais um dos meios de que dispõe a “forma” para se fazer compreensível. Muitas outras maneiras de expressar essas elucidações também existem, porque a forma é uma qualidade divina, sendo, portanto, infinita nas suas qualidades derivadas. E qualquer uma dessas qualidades serviria para abordarmos a forma como a sexta linha evolutiva […]

Após introduzir o seu pensamento, desata, logo em seguida, com sua definição: […] Forma é igual a tipo, jeito, maneira, aparência, feição, característica, composição, descrição, comparação; adição, divisão, subtração, multiplicação; materialismo, espiritualismo; ateísmo, religiosidade; certo, errado; bondade, maldade; luz, trevas; positivo, negativo; sagrado, profano; divino, diabólico etc. Tudo é forma de nominarmos as coisas que se nos apresentam. O oposto da forma é a imaginação. Assim, forma é positivo e imaginação é negativo. Ou seja, se usamos o princípio dual para descrevermos a maneira como Deus atua sobre Sua criação, dizemos que positivo é a energia (espírito) e negativo é a matéria (corpo). Assim temos que o espírito é eterno e imortal, enquanto o corpo é perecível e finito […] (SARACENI; 2015; P. 90)

[…] Deus imortal e espírito humano imortal, pois é parte da criação divina, dotado de corpo (perecível) e alma (imortal). Alma é a qualidade chamada de sentimentos. Sim, os sentimentos são formas de expressarmos o que se passa no nosso mental. Já as emoções são a exteriorização dos sentimentos mais íntimos. Assim como a energia elétrica produz luz, os sentimentos produzem emoções. Essa analogia mostra o resultado daquilo que se passa com a fonte de nossas energias. Os sentimentos são geração de energia, e as emoções, o consumo das mesmas. Então, temos no emocional uma forma de descarregarmos o acúmulo energético (produtivo ou destrutivo) dos sentimentos sedimentados em nosso mental, que é a única parte imutável do todo que compõe o espírito humano. Enquanto o mental é imutável, pois traz em si a herança genética divina que deu origem ao espírito humano, o corpo espiritual é apenas a exteriorização dessa herança, para que possamos evoluir e ascender cada vez mais, a cada nova encarnação […] (SARACENI; 2015; P. 90-91)

O conceito de forma para este autor se nos mostra muito bem consolidado, a partir de uma definição e conceituação metafísica e ontológica [ou ontoteológica]. Para ele, a forma é fundamental para que a vida se dê, pois, sem ela, o espírito e o corpo material não se realizam e, consequentemente, a vida não seria possível.

O outro autor que abordaremos, a seguir, é o conceituadíssimo sociólogo – e também escritor – Muniz Sodré. A sua conceituação sobre forma social é rica e pontual, pois, faz uma análise da mesma sob o prisma do racismo que é, talvez, o preconceito mais daninho na nossa sociedade brasileira.

Nós, umbandistas, precisamos refletir, além de trazermos à baila esta questão. A nossa religião e filosofia de vida não pode, em hipótese alguma, conviver ou aceitar qualquer tipo de preconceito, discriminação ou segregação em seu seio. Este é o mote principal desse texto, trazendo uma reflexão a nós. E que ela seja profunda e verdadeira.

Vejamos o que ele disse em entrevista recente ao jornal Folha de São Paulo (março – 2023) para divulgação do lançamento do seu último livro “O fascismo da cor: Uma radiografia do racismo nacional” (Vozes; 2023):

[…] O sr. disse que, depois da Abolição e da Proclamação da República, surgiu uma nova forma de racismo. Qual é o seu perfil? O segundo ponto do livro é mostrar a diferença entre sociedade e forma social. Você não vai encontrar na literatura sociológica brasileira essa distinção, mas ela é feita por mim. A sociedade implica uma estrutura: ela tem uma interconexão de seus elementos, ou seja, o modo de produção está articulado com o sistema jurídico, com a política […]

Mas a forma social é outra coisa. Ela é uma imagem que a sociedade projeta de si mesma, que ela tem ou quer ter de si. Isso nós temos individualmente: você tem uma imagem de si mesmo e quer que os outros reconheçam você como uma imagem válida.

Isso também existe em termos coletivos. A imagem que a sociedade tem de si é gerida pelo Estado e pelas classes dirigentes. Ela pode ser oficial, mas também subterrânea, uma imagem oculta que existe e lhe determina. Isso eu chamei de forma social escravista.

O que seria essa forma social escravista? Ela é aparência, mas isso não quer dizer que seja uma ilusão. As aparências existem e continuam a existir por ter força, e é um erro querer lidar só com o que é material, concreto. Na forma social, falo de uma aparência que a sociedade quer ter sobre si mesma: as classes dirigentes querem se ver como brancas, europeias e cristãs, sem ter nada a ver com negros.

Esse querer ver-se é a forma social. Dentro dessa imagem, se desenvolvem os mecanismos linguísticos, psicossociais, de subjetividade e de comunicação. Portanto, a aparência cria formas.

Ou seja, acabou a escravidão, mas nasceu a forma social escravista. Ela mantém a escravidão como ideia e como discriminação institucional. Essa forma não é captada apenas objetivamente, não está em números. Portanto, não é pega pela sociologia quantitativa. São também as percepções, os afetos. A forma social é um conceito que vem da sociologia alemã e está na sociologia francesa contemporânea.

O sr. dá um papel de destaque ao patrimonialismo nisso que chama de forma social. A forma escravista está ancorada nesse modo de controle social que é o patrimonialismo, ou seja, no poder exercido por grandes famílias, pelo compadrio, pelo afilhadismo. Esse parentesco dominante no Brasil é branco e reproduz a forma social racista. Quis mostrar como essa forma é tão ampla, tão invasiva, tão maior que a estrutura que ela pode atingir o próprio preto. O preto pode se adequar a ela e ser racista contra pretos também.

Vivemos essa forma no cotidiano. Podemos vê-la em explosões súbitas de fúria e agressões. No Maranhão, o cara estava passando com a mulher, veem um homem tentando abrir o próprio carro e acham que ele está tentando roubar o veículo. Aí os dois descem a porrada no homem. Quando foi jogado no chão, a mulher grita para o marido chutar a cabeça da vítima. O carro era dele. Isso é diário no Brasil […]

Nesta análise, nada metafísica, mas muito sociológica, antropológica e – porque não dizer – também ontológica, Muniz Sodré nos mostra que há uma forma de geração, sustentação e perpetuação do preconceito. Esta é a “forma social” que, nada mais é do que uma aparência criada como um motor ou um combustível (ou ambos, concomitantemente) sustentador do preconceito e dos seus interesses mantenedores.

E o racismo, sabemos, é o principal e mais ferrenho preconceito existente ao nosso redor, no Brasil. O que não diminui ou relativiza as outras formas sociais preconceituosas, que massacram outros setores da nossa sociedade, como a homofobia, por exemplo.

Ora, a Umbanda é uma religião revolucionária e transgressora, desde a sua aparição no mundo material, aqui no estado do Rio de Janeiro, em 1908. Já escrevemos sobre isso em outra oportunidade. Portanto, qualquer dessas manifestações preconceituosas dessas “formas sociais daninhas” produzem uma incongruência, uma contradição e um desarranjo, se apresentadas em seu bojo.

Voltemos a Rubens Saraceni. Para ele, religião também é uma “forma”. Vejamos o que nos diz o autor, na sua obra “Os Arquétipos da Umbanda”:

[…] Religião é uma forma de comungarmos com Deus e extrairmos d’Ele energias que nos pacificam, que nos fortalecem e fazem brotar em nosso íntimo a paz, a fé, o amor, a confiança a resignação, a misericórdia e a esperança. Religião é um meio de nos religarmos a Deus e n’Ele obtermos as forças que nos faltam porque nos exaurimos nos choques da lei das ações e reações. Religião é algo que deve exaltar em nosso íntimo o humanismo, a paciência e a compaixão. Religião não é um mercado de trocas, e sim, é onde nos ofertamos a Deus para que Ele nos acolha e vibre Sua paz e Sua alegria divinas em nosso íntimo. Religião é o meio de exaltarmos o Deus que vive em nosso íntimo e que, religiosamente, nos torna sensatos, respeitosos, fraternos e amorosos. Religião não é lugar para fanáticos, revoltados, rebeldes, intolerantes e para racistas, pois o verdadeiro religioso vê todos como seus irmãos em Deus e vê tudo como criação divina. Religião é onde aprendemos a cultivar as virtudes e a combater os vícios. Religião é estar em paz com Deus, com seus semelhantes e consigo mesmo, e extrair dela a força necessária para conviver com as dificuldades e até superá-las. Religião é o refreador do instintivismo e da revolta íntima do ser diante do que não tem como dominar e subjugar à sua vontade. Religião é a aceitação das coisas como elas são e é a submissão às regras sustentadoras da convivência fraterna com os contrários. Religião é o exercício da fé pela fé, do amor pelo amor e da esperança pela esperança, sem que algo tenha que ser dado ou exigido em troca. Religião é o meio natural que temos à nossa disposição para podermos vivenciar o que temos de melhor, e que é nosso amor ao nosso Divino Criador. Religião é tudo isso e muito mais, pois o ser verdadeiramente religioso é um virtuoso e um humanista. Os sinônimos de religião são virtude e humanismo. Uma pessoa virtuosa é um humanista e é um religioso. Um humanista é um religioso e um virtuoso. Agora, religiosidade, virtude e humanismo não são o que apregoam os mercadores da fé de plantão, que exigem obediência, submissão e servidão aos seus interesses pessoais ou desejos de poder. Reflita, amigo leitor! […] (SARACENI; 2012, P. 14-15)

[…] O sucesso depende da forma como a religião é apresentada aos seus possíveis futuros seguidores e do esforço e do trabalho contínuos de seus divulgadores. A forma de ser apresentada tem de ser clara e objetiva para que pessoas necessitadas possam socorrer-se nos poderes divinos e sentir-se amparadas e confortadas intimamente, fortalecendo-se e desenvolvendo sua espiritualidade e sua religiosidade de forma estável e permanente. As pessoas precisam ter a compreensão e o entendimento dos poderes divinos colocados à sua disposição pela religião que adotar como a ideal para vivenciar sua religiosidade, pois com esses referenciais sustentadores de sua fé ela se sentirá segura e amparada, tanto aqui na Terra quanto no plano espiritual, após seu desencarne. Cada religião estabelecida tem sua forma de apresentar-se e não podemos duvidar da sinceridade dos seus proselitistas porque de fato, por trás de todas realmente está Deus e suas Divindades. Com a Umbanda não é diferente e sua forma de apresentação, sintetizando-a, é esta:

Olorum (Deus) é o Divino Criador e Poder Supremo que tudo criou, cria e criará, e rege tudo e todos o tempo todo. Os Sagrados Orixás são divindades-mistérios, são emanações divinas de Olorum e foram manifestados e exteriorizados por Ele com poderes para dar sustentação a tudo e a todos o tempo todo e por todo o sempre. Cada Orixá é em si um poder e um mistério que se autorrealiza na criação e na vida dos seres. Por se autorrealizar entendam que se um é associado a um elemento, ele é em si esse elemento; se é associado a um sentido, ele é esse sentido; se é associado a uma função, ele é essa função. Cada Orixá é tão pleno que é em si um meio e um caminho evolutivo, amparador e sustentador da vida dos seres. Um Orixá se manifesta na criação como poder de Deus [Olorum] e tem em si, enquanto poder manifestado, todos os recursos necessários para suprir todas as necessidades dos seus filhos, desde as mais terrenas ou materialistas até as mais elevadas ou espiritualizadoras […] (SARACENI, 2012, p. 17-18)

Agora, vejamos como podemos encontrar, em Rubens Saraceni, numa conceituação ontoteológica, ainda na obra Os Arquétipos da Umbanda, como a forma social, no contexto religioso umbandista, pode ser utilizada de forma benéfica, produtiva e progressista:

[…] Os guias espirituais que se manifestam na Umbanda por meio da incorporação já são conhecidos e dispensam apresentação. Alguns pesquisadores da Umbanda, esquecidos do mistério da reencarnação, até se confundem ao verem espíritos de “índios” e de “negros” baixando nos terreiros e ajudando os “senhores” brancos.

O mistério da reencarnação, se não for bem entendido, não justifica o fato de espíritos de índios e de negros, torturados e escravizados pelos nossos antepassados colonizadores, estarem incorporando em médiuns brancos e ajudando a todos com uma disposição única. A reencarnação ensina-nos isto: os espíritos não têm raça, cor ou religião antes de iniciarem o ciclo reencarnacionista. Mas, como energia plasmática, o perispírito “assume” a cor e a forma do corpo físico que é seu veículo ou seu “aparelho” de sustentação no plano material. E essa aparência se conserva à disposição do espírito após seu desencarne para que ele não perca a sua identidade pessoal.

Nos espíritos evoluídos, a forma plasmática dissolve-se e mostra-se como uma luz. Nos espíritos menos evoluídos, ela deforma-se e reflete os vícios e as doenças conscienciais do ser, mostrando-o como algo horrível […] Se espírito não tem cor, raça ou religião no seu estado original, tem memória e consciência e, como a Umbanda foi fundamentada na magia, no Cristianismo, na herança religiosa africana e na herança religiosa cultural dos índios brasileiros, então nada mais acertado e justo do que os guias espirituais se apresentarem revestidos com seus corpos fluídicos ou formas plasmáticas que tiveram na última encarnação ou mesmo em uma outra, acontecida há muito tempo, anterior à vinda dos colonizadores. Podem, inclusive, plasmar a aparência de índios brasileiros ou de negros africanos mesmo que nunca tenham encarnado nesses dois continentes e não tenham pertencido a essas raças quando encarnados. (SARACENI, 2012, P. 73-74)

Vejamos o que ele nos fala sobre a reencarnação:

[…] Que entendam isso como quiserem e escrevam o que bem entenderem os pesquisadores e os sociólogos, pois, enquanto não estudarem o mistério da reencarnação e não perceberem a sabedoria divina e a espiritual por trás da Umbanda, não atinarão com as razões superiores que levaram à criação da mais ecumênica, mais fraterna e mais tolerante das religiões modernas. (SARACENI, 2012, P. 75)

Sobre a influência e atuação social da Umbanda:

[…] Poucos já atentaram para o imenso serviço prestado pela Umbanda e por seus guias espirituais no arrefecimento do racismo e no desenvolvimento de uma verdadeira fraternidade humana, acima de raças, culturas, religiões e posição social […] Em um século, a Umbanda silenciosamente já fez mais pela integração racial, cultural e religiosa brasileira do que a maioria dos ativistas nestas áreas. Mas isso, nem mesmo eles reconhecem, ainda que a maioria deles tenha frequentado ou ainda frequente o terreiro de “macumba”, não é mesmo? Hoje, intelectualizados, negam ou ocultam suas raízes religiosas e preferem apegar-se às raízes étnicas. Mas isso, até isso, os guias espirituais de Umbanda relevam porque entendem como é o comportamento das pessoas dentro de uma sociedade cada dia mais preconceituosa, religiosamente falando. (SARACENI, 2012, P. 76-77)

O autor nos mostra, nestes trechos, que a “forma”, enquanto conceito, no seu polo positivo pode ser utilizada beneficamente, para progresso e evolução social, consciencial, espiritual. A Umbanda é um movimento coletivo que vem trazendo estes ensinamentos, a partir de espíritos-mestres, para os seus adeptos encarnados.

Ainda que alguns estudiosos considerem este pensamento estapafúrdio, deixamos aqui a nossa visão.

Consideramos correta a primeira definição, de Rubens Saraceni, acerca da Forma. Pois, entendemos, não há possibilidade alguma de realização material, sem realização espiritual anterior. A Lei determina que o continuum espírito-matéria se realize sempre, assim como, de forma análoga, é impossível que alguém nasça ancião e morra bebê – como no filme O curioso caso de de Benjamin Button / David Fincher – 2008 –.

Também consideramos correta a conceituação antropológica e sociológica de Forma Social Escravista, cunhada por Muniz Sodré. O preconceito tem, nesse tipo de forma social, a sua mola propulsora e sustentadora. Cria-se a aparência, trazendo-a à vida (ainda que a uma forma negativa de vida, uma espécie de monstro disfarçado) e vai se alimentando-a a fim de prosseguir com o massacre de pessoas consideradas inferiores ou não detentoras de direitos no nosso meio social.

Mas também são corretas, a nosso ver, as últimas conceituações de Rubens Saraceni, aqui descritas e advindas da obra Os Arquétipos da Umbanda. Sim, a nossa religião tem se mostrado como uma mola propulsora na disseminação da ideia de uma sociedade igualitária. Ou, não seria uma religião, se apregoasse o oposto disso, não é mesmo? E, pode ter certeza, caro leitor e cara leitora que, em detrimento de toda e qualquer definição ou opinião externa, a Umbanda é uma religião tão sólida quanto qualquer outra, ainda que seja alvo de preconceitos, por conta da sua variação arquetípica sustentada por formas sociais que, na nossa sociedade, são massacradas pelo preconceito. E por ser, basicamente, uma religião popular, feita pelas e para as pessoas mais simples… exatamente aquelas, vítimas dos preconceitos e da hipocrisia da nossa sociedade.

Por isso, assim como Rubens Saraceni, pensamos que se faz mais do que necessário aos estudiosos, considerarem que se mostra, na filosofia e na ontologia umbandista, um processo dialético reencarnacionista [tendo, neste caso, a dialética hegeliana como ponto de referência].

Sim, refiro-me à dialética de Hegel – tese, antítese e síntese – que se encontra cravada, segundo este autor, no processo histórico, e possui, em si, superação, progresso e evolução. Estudem bem o fenômeno da reencarnação e a encontrarão [a dialética hegeliana] nele.

E, concordando com Muniz Sodré – como já deixamos claro -, no que se refere ao conceito de forma social, propomos que nós, umbandistas, a exemplo dos guias espirituais (nossos mestres de vida e caminhada), invertamos a polaridade e tragamos este conceito para o polo positivo, criando aparências – em formas sociais – de amor, congregação, união, harmonia e igualdade com os nossos pares e com todos os nossos semelhantes.

E, quando nos questionarem, colocarem alguma dúvida, acerca do nosso lugar de fala, teremos Sodré como inspiração, em outro trecho da entrevista aqui descrita, onde diz  que, se perguntado acerca disso, responderá que o seu “lugar de fala” [ele é candomblecista] é como Obá do Sr. Xangô*, no Ilê Axè Opô Afonjá. Responderemos que o nosso local de fala é a Umbanda, uma escola evolutiva, filosófica, religiosa, propagadora da fé, do amor, do conhecimento, do equilíbrio, da lei divina, da evolução e da vida; genuinamente brasileira… e muito orgulhosa disso!

Um saravá fraterno!

André Cozta

*Obá de Xangô – Título honorífico do Candomblé criado no Ilê Axé Opô Afonjá por Mãe Aninha em 1936, esses títulos honoríficos de doze Obás de Xangô, reis ou ministros da região de Nigéria, concedidos aos amigos e protetores do Terreiro […] No terreiro de S. Gonçalo, no barracão, os Obás sentam-se ao lado da ialorixá, de cada lado de sua cadeira. Mas podemos ver Obás-da-direita sentados à esquerda da Mãe do terreiro e Obá-da-esquerda à sua direita (WIKIPEDIA)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SARACENI, Rubens. Os Arquétipos da Umbanda. São Paulo: Madras, 2012.

SARACENI, Rubens. As Sete Linhas de Evolução e Ascensão do Espírito Humano: os fios invisíveis que conduzem o ser humano ao encontro de sua origem, meio e fim. São Paulo: Madras, 2015.

SODRÉ, Muniz. Entrevista concedida a Maurício Meireles. Folha de São Paulo. Rio de Janeiro, 18 março. 2023.

WIKIPEDIA.https://pt.wikipedia.org/wiki/Ob%C3%A1_de_Xang%C3%B4. Consulta em 21.abril.2023

2 comentários em “FORMA E PRECONCEITO”

    1. Grato, irmão!
      Precisamos nos utilizar dos canais disponíveis para disseminação de toda e qualquer ideia que propague o fim do preconceito no nosso meio social, começando pela nossa comunidade religiosa.

      Um abraço fraterno!

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