Os Orixás e suas funções

Neste texto, abordaremos comentários do mestre Rubens Saraceni contidos na sua última obra lançada em vida – O Livro da Criação / 2014 – Madras – e comentaremos brevemente os trechos destacados.

“Desde o início do culto aos Orixás pelos povos nagôs, eles foram classificados por seus campos de atuação ou qualidades, que indicavam os entrecruzamentos de forças, facilitando para seus adoradores quando estes precisavam do auxílio de algum deles […] A ancestralidade divina proporciona o elo forte entre a pessoa e seu Orixá de ‘cabeça'” (SARACENI; 2014, p. 204).

É importante destacarmos este aspecto, pois, tudo o que estudamos hoje, na teologia umbandista, graças às revelações trazidas por este mestre, não foram invenções ou criações dele ou de quem quer que seja, mas, tão somente resultado de estudos realizados por mestres excelsos e trazido ao plano material por intermédio de Pai Benedito de Aruanda, entre outros espíritos da mais elevada iluminação, sob a égide da Lei de Deus.

E, na verdade, tudo o que nos é destacado e ensinado de forma científica [de ciência divina], já nos chegava por intermédio do ritual umbandista, trazido de forma simples e popular pelos guias espirituais. As manifestações estudadas sempre existiram na criação planetária e se mostraram – e sempre se mostrarão – de forma ritualística no seio das religiões naturais (no caso, tratamos da Umbanda, a nossa religião).

[…] Por não terem uma escrita que mostrasse o grande conhecimento que possuíam, foram vistos como pessoas ignorantes e sem uma religião, passando despercebidos pelos senhores escravocratas, que não desconfiaram que tudo estava bem memorizado e guardado em suas mentes e que isso era suficiente para que aqui, apenas com poucos elementos de culto, tudo fosse reproduzido e o antigo culto fosse implantado dentro das senzalas.

O antigo culto não morreu, apenas passou por adaptações necessárias e continuou sendo praticado, primeiro de forma oculta ou dissimulada por trás das imagens dos santos católicos e, posteriormente, por meio das primeiras “roças”, onde, ali sim, os cantos e os louvores, as rezas e as magias dos Orixás começaram a ser feitos, mostrando um culto elaboradíssimo, com um panteão amplo e bem fundamentado, surpreendendo os senhores do poder ligados à Igreja Católica, a força religiosa dominante que, com “pulso firme e mãos de ferro”, mantinha-se como a religião oficial do Brasil e dos brasileiros, posto este que, ainda hoje, ostenta com orgulho, mas já é questionado pelos seguidores de outras crenças religiosas cada vez mais […] (SARACENI; 2014, p. 205)

Este excerto aborda uma questão ancestral, mas que ainda se apresenta nos dias de hoje, de modo preocupante: o racismo religioso.

Ainda que os escravos tenham necessitado do sincretismo por uma questão de sobrevivência religiosa, traziam nos seus cultos e na sua liturgia uma riqueza magística, bem como, no processo de manifestação de fé, que nunca foi nem nunca será inferior a qualquer outro.

O fato de se utilizarem da cultura oral, desde sempre, não diminui o valor das suas práticas e, principalmente, da sua teoria, que abarca uma cosmogênese, uma androgênese e uma teologia muito bem fundamentadas e consistentes.

Vejamos, a seguir, o que o autor comenta acerca da manifestação dos Orixás na Umbanda:

[…] Em razão das dificuldades de adaptação, o sofrimento e a separação étnica e familiar, muitos dos Orixás que eram cultuados na antiga Nigéria pelos povos nagôs aqui deixaram de ser cultuados pela falta de sacerdotes com conhecimentos profundos e bem fundamentados sobre eles e somente alguns se tornaram populares.

Mas apenas esses poucos foram suficientes para o renascimento do culto dos Orixás, primeiro na Bahia, depois no Brasil todo, expandindo-se mais ainda após o surgimento da Umbanda no estado do Rio de Janeiro no início do século XX (1908), onde os cultos afros predominantes provinham da “África Portuguesa” (Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde etc.) e cujas línguas não eram o idioma iorubá falado pelos povos nagôs, e sim o idioma banto ou seus dialetos, já bem “aportuguesado”.

Quando a Umbanda foi fundada por Pai Zélio Fernandino de Moraes (1908), o que existia no estado do Rio de Janeiro eram cultos “miscigenados” englobados no que popularmente era denominado por “Macumba”, que era uma síntese ou fusão dos cultos dos povos africanos trazidos pelos colonizadores portugueses.

Só mais adiante é que sacerdotes do culto aos Orixás começaram a se estabelecer no Rio de Janeiro e a iniciar um grande número de pessoas, a maioria oriunda da “Macumba”.

Nesse meio tempo, a Umbanda também cresceu e tornou-se popular, trazendo ao público seus Caboclos, seus Pretos Velhos, seus Exus, suas Pombagiras, seus Baianos, Boiadeiros, Marinheiros, Ondinas e Ibejis, que conquistavam facilmente quem se “consultava” com eles.

Esses guias espirituais, mesmo os que eram espíritos de “índios brasileiros”, todos recomendavam aos consulentes que fizessem determinadas oferendas aos Orixás para serem ajudados na solução de seus problemas.

E alguns Orixás se tornaram muito conhecidos e amados pelas pessoas, mesmo com elas sabendo muito pouco sobre eles, pois o que importava era que eles as ajudavam quando era preciso.

[…]

A popularização dos Orixás que aconteceu no século XX começou no estado do Rio de Janeiro, com o crescimento da Umbanda, que se espalhou rapidamente para outros estados.

Mas essa popularização dos Orixás, se facilitou o auxílio aos necessitados, no entanto deixou muitas pessoas com muitas dúvidas sobre quem eram essas divindades “nascidas” na África, na atual Nigéria, trazidas ao Brasil por seus adoradores africanos?

Esse fato deixou muitos de seus novos adoradores sem respostas e sem um conhecimento “teológico” bem fundamentado para defenderem a nova religião de Umbanda, que foi incorporando vários outros cultos já miscigenados, alguns anteriores ao seu advento, que encontraram nela uma “denominação” aceitável por todos.

Esse fato, por sua vez, tornou-a o canal universal e aberto a todos os outros cultos nativos, mas pouco expressivos ou apenas regionais que, por si sós, não conseguiam se expandir. Mas, por meio da Umbanda, foram avançando e descaracterizando a simplicidade de culto, trazida pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas por meio do primeiro médium umbandista, o Pai Zélio de Moraes.

Hoje vemos pessoas justificando seus “cultos”, surgidos antes do advento da Umbanda, afirmando que a Umbanda já existia muito antes de o Caboclo anunciar seu início e fundação em um centro espírita de Niterói.

O que existia eram cultos “miscigenados”, que eram a fusão de práticas religiosas indígenas, africanas, espíritas e cristãs, mas que não se chamavam Umbanda.

Porém as pessoas, um século depois, afirmam que a Umbanda já existia, esquecendo-se de que, antes de ela crescer e se tornar popular e muito bem aceita, esses outros cultos eram inexpressivos e apenas conhecidos de seus fundadores e seus seguidores, que posteriormente passaram a denominá-los como Umbanda isso e aquilo.

Muitas dessas “umbandas” surgiram bem depois do real início dela, com os seguidores de outros cultos se “incorporando” a ela e se dizendo “umbandista de raiz tal”, com cada corrente adotando uma forma diferente de ensinar os Orixás aos seus seguidores. (SARACENI; 2014, p. 206-207)

Neste comentário do autor podemos ver que, de fato, a Umbanda é uma “3×4” do Brasil, pois, traz em seu bojo várias características marcantes da cultura do nosso país. A imbricação entre elementos da cultura iorubá com a cultura banto é um exemplo disso; a gama de guias espirituais, bem brasileiros, trabalhando a serviço dos Orixás – lembrando que tais legiões de trabalhadores inexistiam no culto nigeriano – é um outro aspecto a ser considerado.

Precisamos refletir acerca da Umbanda como uma religião que, ainda nascente, vem nos trazendo uma renovação dos Orixás Sagrados, tanto em sua roupagem quanto em sua manifestação religiosa.

E por isso, mas também baseados nos comentários do autor, podemos compreender que a Umbanda é uma religião nascente, já firme no nosso presente e fincando suas bandeiras no nosso futuro, no Brasil e, quiçá, no mundo.

Reflitamos e louvemos os Orixás e nossos guias espirituais, tendo como base para tudo isso a nossa amada e centenária Umbanda.

 

Um saravá fraterno!

 

André Cozta

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

SARACENI, Rubens. O Livro da Criação. São Paulo: Madras, 2014.

 

 

2 comentários em “Os Orixás e suas funções”

  1. Muito bom…Estes textos explicativos são verdadeiros exemplos de simplicidade e honestidade da umbanda da qual recebemos do Pai Rubens e outros…E agora de você… abraço forte Chen

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