HERMENÊUTICA DO AMOR

“Falta amor no mundo. Mas falta também interpretação de texto.” (Leonardo Sakamoto).

A Hermenêutica é uma área da Filosofia que lida com interpretação de textos. É   utilizada também  nos estudos religiosos e do Direito. Advém do termo grego “hermeneuien” que significa interpretar,  traduzir.  Esta palavra se origina do mito do deus Hermes, filho e mensageiro de Zeus que trazia à humanidade as mensagens dos deuses, interpretando-as  e     traduzindo-as.     Portanto,     podemos definir sinteticamente hermenêutica como “arte da interpretação”.

Neste texto buscamos interpretar algumas das definições recorrentes e mais comuns acerca  do  amor na nossa sociedade, por isso, a frase colocada logo    abaixo do título    nos   cai   como  uma luva,   pois, todos  já somos conscientes de que falta amor ao mundo, mas, realmente falta interpretação de texto? Pois nossa análise se dará pela reflexão acerca da interpretação do amor no mundo em que vivemos. Então, que parta o barco rumo ao seu porto final.

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã…”. Essa frase imortalizada por Renato Russo na canção Pais e Filhos é conhecidíssima e traz um pensamento firmado   culturalmente   no  nosso meio social, seja pela via religiosa ou pela via humanista. No mínimo, nove entre dez pessoas concordarão com ela.   A   partir   dessa frase, deixo aqui o primeiro problema para a nossa reflexão: não haver um amanhã   será   condição   sine qua non para que eu ame as pessoas ao meu redor? Se for certo que sempre haverá um amanhã, poderei  relativizar  este amor ou esta condição para amar? O que é haver ou não um amanhã?

Certamente, o tal amanhã se refere à finitude da vida na matéria. Pois nós, umbandistas,   espiritualistas  ou até mesmo pessoas que creem em Deus mas não na reencarnação, entendemos a vida eterna espiritual como uma continuidade à vida material, ou não? Talvez aí esteja o primeiro erro. Deveríamos entender a vida material como uma continuidade para aperfeiçoamento da vida em espírito,  afinal,  o espírito  é  eterno e o corpo  material    é perecível.    Mas, infelizmente,   mesmo   algumas   pessoas   mais   religiosas,   espiritualistas,   umbandistas,   entre  outras, inconscientemente (ou até mesmo bem conscientes, em alguns casos) colocam a vida na matéria como principal ou como princípio, promovendo-a de coadjuvante fundamental – sem sombra de dúvidas – à protagonista.

Então, nós umbandistas e espiritualistas reencarnacionistas, precisamos enxergar a matéria como uma condição inerente à evolução do espírito que se realiza tantas vezes quantas forem necessárias para que   este (o espírito) atinja um certo grau de aperfeiçoamento (e não de perfeição) e possa trilhar sua   caminhada   e   sua   evolução espiritual de forma sutil, elevante e progressiva. Aqueles que não creem na reencarnação,  mas tão   somente na vida eterna do espírito, verão a vida na carne como algo fundamental para um processo evolutivo.

Assim sendo, retornemos à famosa frase cunhada pelo compositor aqui apresentado.   Se   eu preciso  amar   as pessoas, e isso inclui toda e qualquer pessoa como se não houvesse amanhã, acabo de mecanizar o amor. Ora, o Amor é um sentimento nobre e uma semente divina, e como sentimento/semente deve ser plantado, cultivado. Funcionará se, de modo mecânico ou automático,  eu   olhar   para   uma   pessoa   na  rua e simplesmente ficar repetindo mentalmente “eu a amo”? Isso não nos parece ser possível ou viável.

Eu preciso amar os animais, as plantas, as árvores, as pedras, a natureza de forma geral,   assim   como as outras pessoas, afinal, se eu amar como se houvesse amanhã ou como se não houvesse amanhã,   estou salvo.   Já se eu não amar, havendo ou não um amanhã, minha salvação ficará comprometida. Aproveito para perguntar: salvo ou salva de quem ou do quê? Talvez a pessoa que assim pense não consiga responder a tal questionamento.

É comum na nossa sociedade uma espécie de amor “industrial” que nos vem sendo vendido ao longo dos tempos pelos meios de comunicação e está se alastrando ultimamente   graças   ao fenômeno   da internet.   Esse     amor “industrializado” nos vende arquétipos a serem amados, formas perfeitas, condições de vida… opa, chegamos a uma encruzilhada inevitável!

Condicionar o amor é amar de fato? Alguém já nos ensinou que o verdadeiro   amor é   incondicional,   não  é mesmo? E sabe por quê? Por que o Amor Maior, ou seja, o Amor de Deus por nós, tudo e todos ao nosso redor, tenhamos certeza, é incondicional! Portanto, qualquer amor condicionado ou condicionador é pseudo. Perceba que difiro neste texto Amor de amor, pois o primeiro, com A é a Fonte, a Origem, que advém de Deus, sendo o segundo com “a” a sua reprodução mínima a partir das “partículas”, que somos nós.

Podemos reproduzir uma “3×4” do Amor que vem da Fonte, da Origem. Mas também podemos absorver porções infinitas do seu Amor Maior e dele nos banharmos. Se realmente   conseguirmos   fazer   isso,   realizaremos uma poderosa transmutação na alma. Pois passaremos a olhar e amar, sem   imposição de  qualquer tipo de condição, porque estaremos olhando ao nosso redor e vendo Deus em tudo   o que   manifesta   Vida.   E  assim amaremos naturalmente, não mecanicamente, por nos ter sido dito   por   pais,   mães,   professores  ou sacerdotes, mas tão somente porque reacendemos   a   semente   do   Amor   Divino   em   nossos   íntimos   e   ela   passou  a brotar constantemente, formando em nossos espíritos um belo jardim divino.

Portanto, “eu quero continuar amando a Deus, aos meus irmãos e irmãs humanos e humanas, à toda a Natureza manifestada, e a todas as formas de vida que não conheço, pois assim sinto e pulsa em meu íntimo”. Mas, há ou não um amanhã? Talvez haja, talvez não, pois, se a minha vida enquanto espírito   imortal   é  eterna, posso estar vivendo intensamente num eterno hoje.

E se o verdadeiro Amor não se manifesta mecanicamente e não   impõe   condições,   não dita normas ou regras, apenas Ama, podemos concluir que na Hermenêutica  do Amor há, de   parte   de   algumas   pessoas,   certa má vontade em interpretá-lo corretamente e, portanto, falta amor   ao mundo,   falta  interpretação   de   texto,  falta interpretação do próprio Amor, que só pode ocorrer quando o sentimos   brotando   em   nossas   almas, quando sentimos Deus pulsar em nossos íntimos, derramando-se e se espalhando ao nosso redor.

Deus é a nossa Origem, bem como, de tudo e de todos… é a Origem do verdadeiro Amor!

 

André Cozta

4 comentários em “HERMENÊUTICA DO AMOR”

  1. Ricardo Gomes da Silva

    Somos espíritos eternos vivendo diversas fases de relacionamentos, então é preciso amar sempre,pois um período termina e já começa outro, melhor ou pior, só depende de nossas ações e reações.

  2. André, o que poderia nos dizer sobre o que fala Zygmunt Bauman em suas colocações sobre a liquidez das relações… no caso mais específico sobre o amor, em seu livro “Amor Líquido”?

    1. Elisangela, eu penso que a contribuição deixada pelo sr. Bauman nessa obra tem muito do que abordamos nesse texto. O amor está sendo reificado na nossa sociedade, tem se tornado um produto.
      Na nossa visão umbandista isso pode ser aludido a respirar com o auxílio de aparelhos. Você terá ar para respirar, mas sempre dependendo de algo externo.
      O Amor Divino, quando conseguimos acessá-lo, nos abastece de tal forma que o manifestamos, mesmo que dentro dos nossos limites, naturalmente. E isso não tem nada a ver com prática religiosa, mas com consciência.
      Talvez para esse autor citado o “amor líquido” escorra por entre os dedos ou escape com mobilidade aquática característica, mas, por outro lado, no poder aquático de nossa Mãe Iemanjá talvez possamos encontrar a criatividade a e o geracionismo necessários para as nossas vidas. E o Amor Divino de nossa Mãe Oxum será sempre o único combustível viável para prosseguirmos.

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