A UMBANDA E A SEGUNDA NAVEGAÇÃO PLATÔNICA

Buscaremos, neste texto, provocar uma reflexão entre umbandistas partindo de um dos conceitos mais conhecidos da obra do filósofo grego Platão, que versa acerca do que o autor define como Segunda Navegação. Não rechearemos este artigo com citações acadêmicas ou trechos de obras filosóficas, mas, apenas, de forma introdutória, para uma melhor compreensão do conceito, registramos o que nos diz este comentador:

[…] A descoberta do suprassensível é obra da segunda navegação, metaforicamente falando. A primeira navegação é aludida por Platão com a explicação naturalista. Assim como os veleiros dos marinheiros são movidos por vento, isto é, por uma força sensível, as explicações filosóficas dos filósofos naturalistas recorrem aos fenômenos naturais. Mas as causas de tais fenômenos não se encontram no mundo fenomenal; portanto, a explicação naturalista depara-se com a impossibilidade de prosseguir, tal como quando o vento para, e o veleiro encontra-se em repouso, impossibilitado de prosseguir sua viagem. Para se dar continuidade à viagem, deve-se colocar em ação os remos. São justamente esses remos que nos apresentam, metaforicamente, o poder que a dialética tem de ascender ao suprassensível, por meio do qual pode surgir o conhecimento verdadeiro. A segunda navegação, desse modo, retrata o poder que a razão possui de se elevar à verdadeira realidade, ao hiperurânio, como Platão denomina o mundo ideal no seu diálogo Fedro. Com a segunda navegação, Platão abre os horizontes da distinção posterior de material e imaterial ou de sensível e ideal […] (KRASTANOV, 2013, p. 132-133).

Os filósofos naturalistas ou filósofos pré-socráticos buscaram o princípio (arché) – ou gênese da vida – nos elementos naturais, observando-os a partir dos seus movimentos na natureza manifestada, tentando explicar a origem de tudo a partir deles. Para Tales de Mileto, o princípio estava na água; para Anaximandro – discípulo de Tales -, o princípio estava no Ápeiron (elemento infinito, imortal e indefinível); para Anaxímenes de Mileto, o ar era o elemento primordial; para Heráclito de Éfeso, o elemento primordial era o fogo.

Platão refuta tais teorias pré-socráticas com a metáfora da segunda navegação, no seu diálogo Fédon. Para o autor, esses pensadores vislumbraram tão somente a manifestação exterior dos movimentos da natureza, não buscando suas causas em suas reais origens, ou seja, na sua porção ou lado metafísico. A primeira navegação se dá quando a nau é animada pelo vento – que é sensível a nós através da nossa limitada sensação material. Porém, quando cessa o vento, como realizar a segunda navegação? “Ah, essa se dará, tão somente, quando os navegadores passarem a remar”. Tal analogia nos traz a compreensão daquilo que está além do alcance da sensação material, ou seja, os remos promovem a busca do metafísico por meio do raciocínio… Iremos um pouco além, dizendo que remaremos na busca pelo conhecimento, a partir do que nos é sensível ao espírito, muito além dos nossos cinco sentidos materiais.

O filósofo grego está nos dizendo, em síntese, que devemos buscar o que sentimos, pressentimos, reconhecendo-nos como seres limitados dentro de um Todo muito maior. Pois, há vida ao nosso redor que nos é compreensível, reconhecível e sensível aos nossos sentidos espirituais.

Mas, qual a relação disso tudo com a Umbanda?

Uma religião, seja ela qual for, deve, naturalmente, buscar o lado metafísico da vida, muito mais amplo e infinito e que nos leva para muito além da nossa limitada compreensão material. Poderíamos, então, fazer alusão ao Mito da Caverna de Platão, mas, não a faremos neste momento.

Buscando o lado metafísico da vida, a religião compreenderá – ou trará tal compreensão ao seu corpo de adeptos – que a matéria é fruto de uma série de condensações energéticas e que, desde o princípio, no primeiro plano da vida, vêm ocorrendo e resultam no que conhecemos como realidade, neste momento em que nos encontramos encarnados. Portanto, tal raciocínio lógico nos mostra que o movimento ocorre sempre de lá para cá, nunca ao contrário.

Tudo se origina em realidades mais sutis, condensa-se (adaptando-se ao padrão vibratório material) e se apresenta a nós. Podemos, a partir da realidade sensível na matéria, buscar a compreensão das suas origens sutis. Talvez, em Filosofia, encontremos esse movimento nos escritos de Aristóteles e, até mesmo, nos estudos fenomenológicos de Edmund Husserl – ainda que esta seja uma interpretação muito pessoal nossa, a partir das nossas reflexões, acerca do trabalho desse pensador.

Voltemos à Umbanda!…

O ser humano religioso compreenderá, ao menos basicamente, que tudo foi criado e se manifesta exatamente da forma que descrevemos nos parágrafos anteriores. Porém, temos visto muitos adeptos umbandistas que, apesar de compreenderem o que aqui comentamos, em suas práticas religiosas cotidianas, em seus pensamentos, “paralisam-se” na primeira navegação.

Isso quer dizer que não conseguem visualizar os mistérios para muito além daquilo que podem enxergar e compreender aos olhos da matéria. Por que, entender as manifestações, divina e espiritual, a partir de uma lógica material ou materialista, é limitar o próprio “mergulho” na compreensão dos Mistérios Divinos. Se assim raciocinarmos e nos direcionarmos, limitar-nos-emos por demais e, em dado momento, passaremos a seguir uma ótica “materialista” dentro do processo religioso, o que é, em si, uma incongruência.

A Umbanda é uma religião que manifesta de forma pulsante os movimentos da Criação por intermédio dos mistérios de Deus que nela se apresentam e chegam a nós, através  de formas compreensíveis às nossas limitadas visão e compreensão, seja por intermédio dos arquétipos de Orixás e guias espirituais, dos elementos condensadores dos princípios ativos mágicos (“axés” dos elementos) que utilizamos em nosso benefício e dos nossos semelhantes, dos movimentos ou danças, dos pontos cantados e riscados. Tudo é movimentação de mistérios, tudo é manipulação magística!

Porém, uma compreensão mais profunda requer estudos mais acurados acerca dos tão decantados – em verso e prosa – mistérios de Deus. Assim, devemos olhar para tudo o que podemos enxergar e, primeiramente, compreendermos que aquilo que enxergamos é a manifestação última de uma série de movimentos orquestrados por Deus, nossa Origem Maior.

Com esta compreensão e com a “gana” de pesquisadores das coisas divinas, poderemos mergulhar um pouco mais no Conhecimento, afinal, a Umbanda vai muito além de tudo aquilo que nos é visível e sensível aos olhos da matéria.

Vamos realizar a Segunda Navegação Umbandista?

Um saravá fraterno!

André Cozta

 

REFERÊNCIA:

KRASTANOV, Stefan Vasilev. História da Filosofia Antiga. 2013. Claretiano. Batatais.

 

1 comentário em “A UMBANDA E A SEGUNDA NAVEGAÇÃO PLATÔNICA”

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